A evolução da mobilidade elétrica demanda a criação de uma infraestrutura de recarga ampla, que traga segurança e comodidade aos motoristas na recarga de seus veículos elétricos. A viabilização dessa infraestrutura depende da interação de múltiplos atores, exigindo um relacionamento de confiança entre eles.
A tecnologia de blockchain pode ser aplicada a esse cenário para trazer segurança, transparência e confiança aos relacionamentos desse ecossistema.
A recarga de veículos elétricos
A recarga de veículos elétricos pode ser feita em pontos de abastecimento públicos (como rodovias, postos de combustíveis, shoppings centers etc.) ou privados (residências). Apesar da praticidade oferecida pela recarga residencial, a existência de uma rede de abastecimento pública é considerada essencial para garantir segurança aos motoristas quanto ao abastecimento durante o trajeto.
Os modelos de recarga públicos e privados autorizados, assim como as regras e condições para sua exploração comercial, são definidos pela regulamentação de cada país. No Brasil, a ANEEL estabeleceu, entre outros pontos, a permissão a qualquer interessado a realização de atividades relacionadas à recarga de veículos elétricos, inclusive para fins de exploração comercial, a preços livremente negociados.
Assim, conforme a norma, não apenas distribuidoras de energia, mas qualquer empresa pode atuar na prestação de serviços de recarga de veículos elétricos. Dessa forma, incentiva-se o desenvolvimento de um ecossistema amplo, que impulsione a expansão da infraestrutura e aumente a oferta de serviços de recarga para o consumidor final.
A confiança no ecossistema
Mesmo no modelo simplificado, é possível observar a interação de múltiplos atores — no caso, o Proprietário do Veículo Elétrico, a Operadora das Estações de Recarga e o Proprietário do Local onde estão alocadas as estações de recarga. Para usar o serviço de recarga, o proprietário do veículo paga a operadora, que, por sua vez, remunera o proprietário do local pelo uso da energia e pelo espaço físico.
A confiança na relação entre esses atores torna-se essencial para o sucesso desse ecossistema. Por exemplo, o proprietário do veículo deve confiar que a operadora irá cobrá-lo adequadamente conforme a energia utilizada. O proprietário do estabelecimento, por sua vez, precisa confiar que a operadora irá remunerá-lo adequadamente pelo uso de sua energia.
O problema pode se tornar mais complicado se considerarmos outros atores que podem fazer parte do ecossistema. Por exemplo, operadoras diferentes podem ter acordos de roaming, permitindo que os usuários de cada operadora acessem a rede de estações das demais operadoras. Nesse relacionamento, deve haver uma relação de confiança entre as operadoras no processo de tarifação, de modo que haja remuneração correta de cada parte envolvida.
É nesse cenário mais complexo que entra a blockchain.
Blockchain como mecanismo de confiança
Os modelos de confiança são tradicionalmente estabelecidos por sistemas centralizados, que utilizam a figura de um ator intermediário para validar as transações entre as partes. Um exemplo clássico é o do cartório de registro de imóveis, que faz a ponte entre compradores e vendedores.
Entretanto, esse modelo traz algumas desvantagens, como o aumento da burocracia para efetivação das transações entre as partes. Além disso, as mudanças sociais dos últimos anos impactam a confiança depositada nesses atores intermediários, motivando a procura por novos mecanismos de confiança.
A blockchain funciona como um banco de dados distribuído — isto é, as informações não ficam sob controle de uma única empresa ou instituição, mas distribuídas em uma rede de computadores (ou nós) das partes envolvidas, distribuindo, assim, o controle sobre os dados. Dessa forma, a tecnologia promove a descentralização das informações, eliminando a necessidade de uma autoridade central, já que tanto o registro como a validação das transações são feitos pelos próprios nós dessa rede.
Assim, blockchain poderia ser utilizada para registrar as transações de recarga de veículos elétricos, permitindo que os atores do ecossistema possam ter acesso às informações armazenadas, além de distribuir o processo de validação das informações. A transparência de acesso aos dados e a participação das partes envolvidas na validação das informações pode trazer mais confiança aos atores do ecossistema naturalmente.
Além disso, contratos inteligentes (smart-contracts) podem ser utilizados para executar automaticamente algumas ações, permitindo a automação de cláusulas do contrato. Contratos inteligentes podem ser entendidos como trechos de programa executados quando uma transação é realizada sobre o blockchain.
Além de gerar confiança de que as cláusulas do contrato serão executadas corretamente, sem intervenção humana, esse processo de automação permite a redução de custos e prazos, tornando os processos de negócios mais eficientes.
Um estudo conduzido pela Universidade de Waterloo, de título “Mitigating Trust Issues in Electric Vehicle Charging using a Blockchain” (Mitigando Problemas de Confiança em Recarga de Veículos Elétricos usando Blockchain) concluiu que, de fato, a blockchain pode ser uma solução viável para a mobilidade elétrica.
Inclusive, segundo o estudo, esse tipo de método poderia até mesmo possibilitar o desenvolvimento de um sistema de comunicação de máquina para máquina no futuro, o que habilitaria veículos autônomos a realizarem sua recarga nas estações sem necessidade de intervenção humana.
Mobilidade elétrica e blockchain andam juntos
O artigo mostrou que o ecossistema de mobilidade elétrica pode ter múltiplos atores que demandam relacionamentos de confiança. Ainda que esses relacionamentos possam ser estabelecidos por contratos bilaterais, validados por instituições intermediárias, esse processo é pouco eficiente. A ampliação do ecossistema de mobilidade elétrica, com novos atores e diferentes modelos de negócios, pode aumentar ainda mais esse problema.
A blockchain surge nesse processo como um mecanismo de consenso, que pode ajudar a estabelecer relações de confiança entre os atores do ecossistema, usando contratos inteligentes para automatizar termos de contrato e regras de negócios, reduzindo custos e aumentando a eficiência desses processos.
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