A cada nova revolução tecnológica, o mundo muda de forma profunda — e silenciosa. Foi assim com a eletricidade, com os computadores clássicos, com a internet. Agora, estamos diante de mais uma virada de paradigma: a revolução quântica.
Já com aplicações promissoras, a computação quântica tem o potencial de transformar completamente áreas como saúde, segurança da informação, desenvolvimento de materiais e o setor industrial.
No primeiro artigo da nossa série sobre Computação Quântica, relembramos as origens da física quântica e os marcos que nos trouxeram até aqui. Agora, avançamos para um novo capítulo: como essa revolução começa, de fato, a impactar o mundo tecnológico.
O que muda quando os computadores deixam de ser apenas binários? Que desafios ainda precisamos superar? E como empresas já estão colhendo os primeiros frutos desse novo modelo de computação? Acompanhe mais um passo nessa jornada quântica!
Primeiro: o que é computar?
Aprendemos na escola que resolver um problema matemático envolve seguir um esquema formal — um algoritmo — que nos ajuda a reorganizar as informações e encontrar o que está faltando. Curiosamente, é disso que trata a palavra “álgebra”, que vem do árabe al-jabr: “reunião das partes quebradas”.
Mas esse é só o começo.
De nada adianta um algoritmo poderoso se não conseguirmos computá-lo - ou seja, fazer com que ele seja executado por algum sistema físico que realize os cálculos de verdade. E aqui vem o mantra que você precisa lembrar: computação é um processo físico.
Desde os dedos da mão até os transistores de silício, tudo que já usamos para calcular depende da física. E, mais recentemente, até mesmo átomos neutros estão entrando em cena — como é o caso dos computadores quânticos desenvolvidos pela QuEra.
Mas e quando a complexidade computacional aumenta?
Nem todo problema pode ser resolvido com facilidade. Às vezes, a complexidade computacional cresce rápido demais — e aí a coisa muda de figura.
Imagine o seguinte: você é responsável pela segurança de uma planta industrial e precisa decidir quais câmeras (de um total de 30) devem ativar ou não em pontos críticos de uma planta industrial. Cada câmera cobre uma área diferente, com custos e restrições específicas. Seu objetivo: maximizar a cobertura com o menor custo possível.
Você escreve um programa, roda o algoritmo e em 17 minutos tem a solução. Tudo certo.
No dia seguinte, surge um desafio parecido — só que com 50 câmeras. Pela lógica, você estima que, no máximo, o tempo de execução dobrará. Talvez leve uns 34 minutos, certo?
Errado.
O programa não termina. Você vai almoçar. Volta. Nada. Deixa rodando durante a noite. No dia seguinte, o sistema ainda está processando.
Esse novo problema levaria 35 anos para ser resolvido em seu computador clássico.

A explosão da complexidade
Esse problema possui complexidade computacional exponencial. Isso significa que o tempo de processamento cresce de forma explosiva à medida que mais variáveis (no caso, câmeras) são incluídas na análise. Esse tipo de situação ocorre em diversos setores da indústria e dos negócios.
É exatamente aí que entra a Computação Quântica.
Como funciona um computador quântico?
Diferente do computador clássico, que opera com bits (0 ou 1), o computador quântico trabalha com estados quânticos — que podem estar em superposição, emaranhados e interferindo entre si.
Na prática, isso significa que ele pode explorar vários caminhos ao mesmo tempo, fazendo o que antes era inimaginável: resolver problemas classicamente intransponíveis de forma eficiente.
Se, para o problema apresentado anteriormente, seu computador tivesse uma complexidade computacional proporcional ao quadrado do número de variáveis, então — com 50 câmeras — o tempo de cálculo seria de 47 minutos, e não mais 35 anos.
Esse computador já existe. Pelo menos em forma de protótipo: o computador quântico.
Ele não apenas representa um novo tipo de máquina — representa uma nova forma de pensar a computação.
Do ponto de vista formal, ele é uma máquina de redução de complexidade matemática.
Do ponto de vista físico, ele é uma máquina de interferência quântica.
O poder de simular a natureza
Se a natureza é quântica — e sabemos disso há mais de um século — então, para simular a natureza de forma realista, precisamos de uma máquina quântica.
Empresas como Airbus e BMW já entenderam isso e estão usando computadores quânticos para desenvolver novos materiais.
Na química e na medicina, a revolução já começou. Com qubits em superposição e emaranhamento, conseguimos realizar simulações moleculares altamente precisas, acelerando a descoberta de propriedades químicas e prevendo interações em nível atômico.
Na indústria farmacêutica, isso significa desenvolver medicamentos com mais rapidez e precisão. Simular com riqueza de detalhes as interações moleculares reduz custos, tempo e erros — e abre caminho para terapias personalizadas.
Além disso, a computação quântica promete impulsionar a medicina de precisão, com avanços na análise de dados genômicos e diagnósticos por imagem. Mais agilidade, mais acurácia, mais inteligência no ecossistema da saúde.
Estamos literalmente reescrevendo o futuro da medicina em linguagem quântica.
Criptografia: ameaça ou oportunidade?
Se computadores quânticos conseguem reduzir a complexidade de problemas matemáticos, isso também vale para os sistemas criptográficos que usamos hoje.
Isso significa que, em um futuro não tão distante, algoritmos considerados seguros (como o RSA) podem ser quebrados com facilidade por um processador quântico.
Por outro lado, essa ameaça impulsiona o desenvolvimento de novas formas de criptografia e comunicação — mais robustas, seguras e alinhadas à era quântica.
Esse foi um dos tópico que discutimos no podcast do Venturus sobre criptografia e computação quântica com Roberto Gallo, CEO da Kryptus. Ouça abaixo!
O que falta para a Computação Quântica?
Embora o conceito de computador quântico já esteja bem estabelecido, ainda estamos longe de alcançar uma plataforma física capaz de vencer os desafios de acoplamento dos bits quânticos (qubits) com o meio externo.
Em outras palavras, computadores quânticos são extremamente sensíveis às interações com o ambiente, o que pode comprometer sua coerência quântica e transformá-los em meros computadores clássicos.
Se um computador quântico interagir rápido ou fortemente com o meio externo, ele perde sua visibilidade quântica. E tudo indica que o universo, até agora, é bastante hostil às nossas tecnologias atuais de qubits.
Mas essa “fragilidade” abre um novo caminho: se os qubits são muito sensíveis e interagem facilmente com o ambiente, então eles são perfeitos para criar… sensores! Sensores, afinal, precisam ser sensíveis.
E é com essa ideia que uma nova indústria está nascendo: a dos Sensores Quânticos.
Esses sensores terão aplicações em mineração, medicina, defesa, navegação, agronomia, entre outros. Em resumo: vamos usar esses dispositivos para observar o mundo, orientar nossas ações, tomar melhores decisões e agir com mais segurança em todas as áreas da atividade humana.
Estamos no começo — mas é bom começar agora
Estamos diante de uma nova revolução. E ela deve acontecer mais rápido e de forma mais intensa do que qualquer outra que já vivemos.
Em poucos anos, fronteiras tecnológicas serão redesenhadas. Empresas sumirão muito rapidamente. Outras, menores, crescerão porque entraram cedo nesse novo paradigma.
Ainda não sabemos quando isso vai acontecer. Nem a que velocidade. A mecânica quântica, afinal, não é fã de certezas.
Mas, se você pode decidir agora, talvez essa seja a melhor: entre para o mundo quântico antes que sua empresa colapse.